Por uma revolta da vacina ao contrário

Aninha Piletti

A Revolta da Vacina foi um motim popular que ocorreu no Rio de Janeiro em 1904, depois do governo reinstaurar a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola em todo o território nacional. O povo se revoltou e enfrentou nas ruas os agentes de saúde pública e a polícia, afinal não aceitava tomar uma vacina contra a sua vontade. Por que lembrarmosde um episódio que ocorreu há mais de século?
Acompanhamos a guerra política entre o governo federal e, dentre outros, o governo do Estado de São Paulo em torno da vacina contra o coronavírus. Além dos desafios técnicos para garantir a imunização segura e a logística para prover a vacina para toda a população, observa-se a crescente institucionalização do negacionismo que apela para o medo e para as teorias da conspiração em relação à vacina para a COVID-19.
Esta é a posição que o Presidente da República explicita nas suas recentes declarações. Disse que a vacina contra o coronavírus será gratuita e voluntária, mas que não tomará a vacina. Quando os testes da Coronovac foram suspensos pela Anvisa, mesmo sem nenhuma prova ou dados científicos, declarou em suas redes sociais “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, demonstrando unicamente interesse político e descaso com a saúde pública. Ou seja, considera uma vitória um adversário político não produzir a vacina antes dele, mesmo que mais pessoas morram com isso. Ainda, continua afirmando que “estamos vivendo um finalzinho de pandemia”, mesmo com quase 200 mil mortes no país e novo aumento de casos diários no Brasil e no mundo. Esse número de mortos equivale atoda a população de Ibiúna e São Roque e, ainda assim, não para de crescer.
O negacionismo nos traz de volta à realidade de há mais de um século quando era difícil o acesso à ciência e a dados confiáveis. Hoje, tem-se acesso à informação, contudo, os meios de comunicação também são utilizados para propagar o medo e a desinformação. Segundo pesquisa Datafolha, 22% dos brasileiros dizem que não vão tomar a vacina. Em outubro este número era de 9% (FSP, 12/12/2020). Em outras palavras, cresce a insegurança e a desconfiança da população em relação à imunização. Isso porque para produzir o medo, basta uma mentira. Do outro lado, para alcançar a verdade, é preciso instrução e reflexão. Por isso, a fim de superar este desafio, bem como afirmou a pneumologista Margareth Dalcolmo, “nós precisamos de uma Revolta da Vacina ao contrário”.

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Postado em 18, dezembro, 2020