Colunistas

“Os excluídos do interior”

Ana Cristina Piletti
“Achei um escravo no fumódromo! Quem for o dono avisa!”, esta foi a legenda da foto de um estudante negro compartilhada pelo Whatsapp por outro aluno branco de 19 anos da Fundação Getúlio Vargas. No ano passado, na mesma instituição, outra aluna foi alvo de comentários racistas durante um campeonato esportivo: “Negrinha, aqui não!”. Em 2014, bananas foram lançadas na direção do jogador Daniel Alves em jogo na Espanha. No final de 2017, o jornalista William Wack foi demitido da rede Globo após vazamento de vídeo no qual fez um comentário racista. No início do ano, a empresa de confecção H&M pediu desculpas e cancelou uma de suas campanhas na qual mostrava uma criança negra vestindo um casaco estampado com a frase “O macaco mais legal da selva”. Então, quais conclusões podemos extrair destas situações?
Embora estes eventos tenham gerado comoção nas redes sociais, revoltas de grupos ativistas e severas críticas de representantes da mídia e da população em geral, a dificuldade de superarmos preconceitos arraigados em nossa cultura parece evidente. De fato, um sistema de normas protetivas da dignidade humana e punitivas de práticas racistas têm se mostrado mais efetivo em nossa sociedade. Ao lado de políticas públicas que visam garantir a igualdade de direitos, cada vez mais os desafios do convívio com as diferenças se faz presente no nosso cotidiano. Neste ponto, as barreiras culturais aparecem. A mudança de comportamento só é perene quando acompanhada das mudanças de atitudes e valores. Tais transformações fazem parte de um processo formativo que começa na família, estende-se para a comunidade, para escola e para o trabalho. Nos casos apresentados, historicamente excluídos da vida política e econômica, os negros têm conseguido participar cada vez mais da parcela privilegiada, estudando em escolas elitizadas, atuando em times, organizações e campanhas internacionais. No entanto, de uma maneira eufemizada, continuam excluídos, especialmente, no que diz respeito ao reconhecimento de sua dignidade e igualdade.
“Excluídos do interior” é a expressão cunhada pelo filósofo Pierre Bourdieu para argumentar que a redução das barreiras formais de acesso à educação não representaria necessariamente a superação das desigualdades sociais. Esta expressão também pode ser aplicada às inúmeras situações de preconceito racial que acompanhamos. Neste sentido, deveríamos refletir se o abuso de mecanismos punitivos àqueles que agem de maneira racista seria a melhor forma de superar os preconceitos e os males causados às suas vítimas. Afinal, para uma plena convivência com as diferenças, não seria mais positivo pensarmos em ações educativas e restaurativas que ajudassem a legitimá-las?

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