Por que discutir a prisão em segunda instância?
Ana Cristina Piletti
Na última quinta-feira, 07 de novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou a votação sobre a prisão após condenação em segunda instância, com cinco votos a favor e seis contrários, alterando o entendimento jurisprudencial adotado até o momento. Desde 2016, prevalecia a posição de que, após a condenação em segunda instância, o acusado deveria iniciar o cumprimento provisório da pena. Então, por que ainda se discute e se altera o entendimento sobre esse assunto no Brasil?
A polêmica gravita, especialmente, em torno do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que informa “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Para alguns juristas, o texto de lei é claro e consagra o “princípio da presunção de inocência”, que deve permanecer até cessar todas as possibilidades de recursos do réu. Afinal, qualquer restrição à liberdade somente deve ser admitida após a condenação definitiva, isto é, enquanto houver possibilidade do agente apelar às instâncias superiores, o seu direito de ir e vir deve ser preservado. Se existe presunção de inocência, não é possível a prisão preventiva, pois o pressuposto permanece até ser encerrado o processo com trânsito em julgado.
No entanto, os favoráveis ao início do cumprimento de pena após condenação em segunda instância, por meio de uma interpretação sistemática e sociológica do texto constitucional, argumentam que tal medida é necessária para evitar a impunidade de uma parcela de acusados que possuem condições econômicas privilegiadas e utilizam, por vezes, recursos protelatórios no processo para alcançar até as últimas instâncias. Para os defensores desta concepção, aguardar o trânsito em julgado pode ter o efeito pernicioso de, em vez de se fazer justiça, perpetuar a impunidade daqueles que abusam de recursos para se safar de seus crimes.
Claramente existe divergência entre uma posição mais garantista e outra mais ativista. A primeira baseia-se em um modelo de Direito que defende o pleno respeito às garantias fundamentais positivadas e às limitações do Estado sobre o indivíduo, prezando pela segurança jurídica, pois, para eles, não cabe ao juiz “consertar” a lei. A segunda, mais flexível e contextual, busca por meio da interpretação da Constituição atingir o ideal de justiça social, mesmo que com isso acabem se desviando de uma interpretação mais literal do texto da lei.