Colunistas

O quinto dos infernos de ontem e de hoje

Ana Piletti

A Inconfidência Mineira, movimento separatista que aconteceu no Brasil Colônia, foi marcada pela revolta da elite mineira contra o domínio da Coroa Portuguesa. O estopim do conflito foi o “quinto”, uma abusiva taxa de imposto de 20% cobrada sobre ouro extraído. Daí a conhecida expressão “o quinto dos infernos”.
Combatido pela metrópole com derramamento de sangue, este movimento representou uma das primeiras tentativas de independência e construção de uma nação republicana. Na figura de Tiradentes, até hoje este episódio histórico é comemorado. E, embora com outros contornos, algumas de suas características ainda parecem atuais.
Na época, os ideais da modernidade inspiravam experiências revolucionárias que contestavam o poder absoluto das monarquias e lutavam pelas liberdades individuais. O problema era claro: o Estado opressor impedia o pleno exercício dos direitos civis e políticos. Iniciou-se pelo mundo a construção de nações democráticas, nas quais o povo, por meio de seus representantes eleitos e outros instrumentos constitucionais, podia decidir sobre temas relevantes para o Estado.
Passados mais de dois séculos da Inconfidência Mineira, o Brasil ainda configura como um dos países com maior carga tributária do mundo, 35% em relação ao Produto Interno Bruto, com o pior retorno dos valores arrecadados em prol do bem estar da sociedade, ou seja, taxas maiores que o “quinto”. Além disso, em vez de avanços na esfera social, os escândalos de corrupção e desvios de dinheiro público são cada vez mais frequentes e comuns. E, se na época da Inconfidência, havia um “inimigo absolutista” e um projeto de país pelo qual lutar, a crise de confiança e falta de legitimidade generalizada nas lideranças políticas de hoje ameaçam a própria democracia.
Não foi à toa que ao tratar da atual situação do Brasil, o editorial do The New York Times (12/04/2018) destacou a fragilidade da democracia e o perigo de uma guinada ao populismo e à radicalização política. Por outro lado, lembrou que as operações anticorrupção têm mostrado que os brasileiros conseguiram, no decorrer de sua história, construir as instituições e meios necessários para enfrentar este mal profundamente arraigado. Talvez, hoje, o simbolismo de Tiradentes seja mais significativo, pois precisamos de sua coragem e ideal coletivista para construir novas lideranças que não deixem que “os ganhos contra a corrupção representem retrocessos para a democracia”.

Comments

comments