O custo político da governabilidade
Ana Cristina Piletti
Governabilidade é a capacidade de um governo exercer o poder de forma legítima e eficiente, obtendo apoio político para aprovar projetos de leis e orçamentos, implementar políticas públicas, viabilizar reformas administrativas, enfim, assegurar a estabilidade do país. No nosso regime presidencialista republicano, a governabilidade depende da gestão dos conflitos de interesses entre os poderes Executivo e Legislativo.
Na busca por alianças políticas, muitas vezes, governantes e parlamentares fazem concessões contrárias à sua ideologia, ou seja, ao conjunto de ideias e crenças defendidas pelo seu partido. Após uma disputa eleitoral acirrada e extremamente polarizada, a recente notícia sobre a nomeação de deputados do Partido Progressista e do Republicanos como ministros do atual governo Lula (PT) exemplifica esse tipo de concessão e aliança. Ao trazer membros de partidos de oposição do ‘centrão’ para o governo, o presidente busca aumentar sua base política no Congresso Nacional. Esse tipo de política popularmente conhecida como “toma lá, dá cá” está enraizada na cultura brasileira. Por outro lado, alguns estudiosos defendem a legitimidade do governo de coalizões. Contudo, é justamente a intenção e a forma como são feitas as coalizões que diferenciam uma política nefasta de troca de favores entre particulares e uma aliança estratégica entre partidos e/ou governantes e parlamentares em torno de um projeto político-social comum.
A fábula “O javali, o cavalo e o caçador”, de Esopo, retomada pela pesquisadora e advogada Rachel Pinheiro de Andrade, nos ajuda a pensar sobre o custo de algumas alianças políticas.
Houve um momento em que o cavalo e o javali se encontraram em um sério conflito. Percebendo que precisava de alguma ajuda para lidar com a situação, o cavalo procurou a assistência de um hábil caçador. Ao ouvir o pedido do cavalo, o caçador concordou em ajudar, mas estabeleceu a seguinte condição: “Se deseja derrotar o javali, você deve permitir que eu coloque esta peça de ferro entre as suas mandíbulas, para que possa guiá-lo com estas rédeas, e que coloque esta sela nas suas costas, para que possa me manter firme enquanto seguimos o inimigo”. Com a ajuda do caçador, o cavalo venceu o javali. Então, disse o cavalo: “Agora, desça e retire essas coisas da minha boca e das minhas costas”. “Não tão rápido, amigo”, disse o caçador. “Eu o tenho sob minhas rédeas e esporas, e por enquanto prefiro mantê-lo assim”.
Enfim, fica a reflexão: quando o governo escolhe trazer para sua equipe tantos adversários com ideologias tão distintas, como diferenciar o governo atual do anterior?