Identidade Cultural e Vaidades Locais
A formação da sociedade e o desenvolvimento das cidades foram acompanhados pelo nascimento da ideia de identidade. A necessidade de encontrar sentido para as suas existências, fez com que os grupos se organizassem em determinados locais, criando e compartilhando símbolos, normas, rituais, entre outros aspectos representativos de suas práticas e crenças. Essa identidade é o que por muito tempo localizou as pessoas no mundo social e cultural segundo o professor inglês Stuart Hall. A pergunta é: toda cidade ou comunidade tem ou precisa ter uma identidade? As grandes narrativas e as identidades fixas que traduziam a história das nações e da humanidade cada vez mais são questionadas e substituídas pela noção de complexidade e de flexibilidade da identidade dos sujeitos. Ou seja, para Hall “a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia” e cada vez mais as pessoas assumem diferentes posturas.As implicações da multiplicidade de identidades são inúmeras, mas é relevante destacar que a crise da identidade para uma cidade pode também representar a perda de sentido, a destruição e a aniquilação da história de um povo. Neste sentido, o alegórico conto de Kafka “O escudo da cidade” mostra o quanto a tentativa e a necessidade de se construir um significado e uma cidade unificada desmorona nas contraditórias vaidades, interesses econômicos e políticos que usam o discurso da diferença para desintegrar comunidades: “Quando se começou a construir a torre de Babel, tudo estava muito em ordem; e talvez a ordem fosse excessiva; pensava-se demais em indicadores de caminhos, intérpretes; alojamentos para trabalhadores e rotas de enlace, como se se dispusesse de séculos e outras tantas probabilidades de trabalhar livremente. […] Pois bem, poderia pensar-se que a próxima geração, com seu mais amplo saber, haveria de achar mau o trabalho da geração precedente e que teria de demolir o construído para tornar a começar. […] Cada grupo regional queria possuir o bairro mais formoso, pelo que sobrevieram regras que redundaram em sangrentos combates. Estas lutas eram incessantes; o que serviu de argumento aos chefes para que, por falta da necessária concentração, a torre fosse erguida muito lentamente, ou, melhor ainda, apenas ao fim de estipulada uma paz geral. […]”Talvez por isso o projeto de uma cidade unida por um significado, uma história e uma identidade cultural compartilhada esteja cada vez mais distante de ser realizada.