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Contas que não fecham e mentes que não abrem

Macunaíma, o herói sem caráter criado por Mário de Andrade, costumava repetir: “Muita saúva e pouca saúde Os males do país são”Evoluímos. Hoje, os males do país são contas que não fecham e mentes que não abrem. Com tantas e tão sedutoras as oportunidades de consumo, muitas pessoas gastam bem mais do que podem. E, depois, suas contas não fecham. Às vezes são os bancos que as fecham. O mesmo ocorre com as empresas, se despesa for maior que receita. E, também, com municípios, Estados e países, se gasto mais corrupção for maior que arrecadação.
Bancos são – ou deveriam ser – instituições encarregadas de zelar para que as contas fechem. Mas, às vezes, nem suas próprias contas fecham. Por isso são – ou deveriam ser – fechados.
Hoje, porém, é tão comum contas não fecharem que isso ocorre com a quase totalidade dos países europeus. Nos Estados e municípios brasileiros, então, nem se fala! Muitos dos prefeitos recém-empossados devem estar curtindo sua lua de mel com o poder às voltas com contas que não fecham. A própria presidente Dilma teve que recorrer a uma manobra contábil para fechar as contas. E, apesar disso, ainda precisará de R$38 bilhões para cumprir a meta fiscal do ano.
Se a tarefa dos bancos é zelar para que as contas fechem, a das escolas é a de fazer o possível e o impossível para que as mentes dos alunos abram. Tarefa tão ou até mais difícil do que fazer com que contas fechem. Isso porque, segundo o jornalista americano Nicholas Carr, estamos diante de uma geração superficial. Para muitos alunos, diz ele, a idéia de ler um livro tornou-se antiquada, até um pouco tola – como costurar as próprias roupas, por exemplo. E a professora de literatura da Universidade de Duke, Katherine Hayles, confessou: “Não consigo mais fazer com que meus alunos leiam livros inteiros”.
Hoje, observa Carr, a mente linear, calma, focada, sem distrações, está sendo expulsa por um novo tipo de mente que quer e precisa tomar e compartilhar informação em surtos breves, desconexos, frequentemente superspostos – quanto mais rápido melhor.
Surge, assim, o indivíduo de mente fechada, incapaz de ter empatia, isto é, de ter comunicação afetiva com os outros, como é o caso dos meninos do seguinte fato narrado pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano:
“É preciso ter muito cuidado ao atravessar a rua, explicava o educador colombiano Gustavo Wilches a um grupo de meninos.
– Ainda que abra o sinal verde, jamais atravessem sem olhar para os dois lados.
Wilches contou aos meninos que certa vez um automóvel o atropelara e o deixara caído no meio da rua. Recordando o acidente que quase lhe custara a vida, Wilches franziu o cenho. Mas os meninos perguntaram:
– De que marca era o carro? Tinha ar condicionado? Teto solar elétrico? Tinha faróis de neblina? De quantos cilindros era o motor?”
Assim, atualmente, enquanto contas que não fecham viram fantasmas que assustam credores, mentes que não abrem viram monstrinhos que assustam educadores.

 

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