Eleições 2024: Entre Cevada e Pérolas, o eleitor escolhe o que alimenta
Ana Cristina Piletti
As eleições municipais de 2024 revelaram uma preferência dos eleitores brasileiros por candidatos de centro, que passarão a administrar cerca de 63% das cidades a partir de 2025, ou aproximadamente 3.500 prefeituras (CNN, 27/10/2024). Esse afastamento dos extremos parece sinalizar que o eleitorado está se distanciando de promessas ideológicas, que nem sempre atendem às necessidades práticas e imediatas.
No entanto, essa mudança não significa o fim da polarização. O advogado e cientista político Manoel Moraes observa que, embora a influência de figuras como Lula (PT) e Bolsonaro (PL) ainda exista, ela não foi determinante nas decisões de muitos eleitores. Segundo ele, “um grupo, a partir da esquerda e do centro democrático, tem conseguido vitórias importantes no campo das cidades, mas também há a presença de setores reacionários que não defendem a democracia” (Instituto Humanitas Unisinos, 28/10/2024). Esse cenário, para Manoel Moraes, reflete a emergência de novas lideranças que estão assumindo o protagonismo local, enquanto a agenda nacional perdeu força nas disputas municipais.
Nas eleições municipais, demandas locais e concretas — como melhorias no transporte público, aumento salarial de professores e pavimentação de ruas — acabaram se sobrepondo a temas como grandes reformas e pautas polarizadoras. Esse movimento lembra a fábula de Esopo “O Galo e a Pérola”, onde o galo, em busca de algo que sacie sua fome, encontra uma pérola mas a deixa de lado, preferindo um grão de cevada que atende sua necessidade imediata. Assim, muitos eleitores parecem hoje valorizar soluções práticas em detrimento das promessas distantes de suas realidades.
Contudo, essa escolha prática traz riscos. José Geraldo de Sousa Junior e Manoel Moraes expressam preocupação com o ‘fenômeno Marçal’, que ilustra os perigos de discursos focados em popularidade e lucro, em detrimento de um debate público mais ético e programático. Sousa Junior alerta para a ascensão de uma “teologia coaching” desvirtuada e vazia, que distorce o debate público. Manoel Moraes, por sua vez, observa que Marçal, ao explorar o simbolismo do empreendedorismo e da prosperidade, representa uma ameaça ao ‘bolsonarismo raiz’ ao oferecer ao eleitor a promessa de autossuficiência e sucesso pessoal, mas sem uma base sólida de propostas. Ele critica a superficialidade das campanhas que priorizaram carisma e pragmatismo, deixando de lado debates programáticos essenciais.
Essa preferência pragmática dos eleitores nos leva a refletir sobre o futuro da política no Brasil: será que este movimento reflete um amadurecimento político ou apenas uma pausa temporária na polarização? Em um ambiente onde as redes sociais moldam o discurso público, o eleitor precisa se questionar: essas novas lideranças representam uma política autêntica, ou são apenas mais uma “pérola brilhante” sem valor real?