Silêncio organizacional: o que precisamos para “soprar o apito”?
Por Ana Cristina Piletti
O caso do médico anestesista preso logo depois de flagrado em estupro durante um parto e, também, o caso do presidente da Caixa Econômica Federal denunciado por assédio sexual levantam, entre outros, o seguinte questionamento: Como ninguém percebeu antes que havia algo suspeito?
Elisabeth Morrison e Frances Miliken explicam que existem “forças poderosas em muitas organizações que causam a retenção generalizada de informações sobre possíveis problemas e questões pelos funcionários”, denominando tal fenômeno de silêncio organizacional. Uma dessas forças é o medo de sofrer retaliação.
A retaliação pode ocorrer pela demissão, rebaixamento de cargo ou, ainda, pelo isolamento e desprezo por parte do grupo social. Segundo dados da Pesquisa Global de Ética nos Negócios (2019), “do universo de 72% de empregados que observaram comportamentos indevidos na organização, relacionados a assédios, por exemplo, 54% não reportam, justamente pela baixa percepção de confiança e possibilidade de retaliação” (Farias; Paraventi, 2022).
A pessoa que espontaneamente e de boa fé reporta um ato ilícito relevante de que tem informação para as autori-dades competentes é chamada de “soprador de apito” (whistleblower) pelo direito norte-americano (Varella e Dematté, 2021).
No caso de Pedro Guimarães, acusado de assédio sexual, as vítimas narraram que demoraram a denunciar porque temiam o presidente da Caixa Econômica Federal, que, segundo elas, tinha um perfil ameaçador. Médicos ouvidos pela Folha de São Paulo (16/06/2022) explicaram que a conduta do anestesista deveria ter levantado suspeitas, em especial, pelo excesso de sedação utilizado no procedimento, que deveria ter sido notada pela equipe médica e pelo hospital.
Portanto, para “soprar o apito”, coragem, atenção e altruísmo são necessários, mas podem não ser suficientes para evitar ou reduzir o número de vítimas destas infrações. É fundamental que as instituições protejam os denunciantes impedindo demissões ou exposições constrangedoras, bem como criem mecanismos de detecção e de controle de irregularidades e programas de incentivo de relatos de má conduta.