Colunistas

A virtude, o vírus e o virtual

Claudino Piletti

Inspirado pelo coronavirus e pelo ócio do isolamento social, resolvi fazer um exercício mental refletindo sobre a relação entre a virtude, o vírus e o virtual. Começo citando um provérbio latino que afirma: “In médio stat virtus” (A virtude está no meio). Segundo tal afirmação, a virtude está igualmente afastada dos extremos. Assim, os atos considerados virtuosos, não devem desviar-se nem por falta e nem por excesso. A virtude consiste na justa medida, na “mediana”. Tal conceito de virtude surgiu entre os filósofos gregos da Antiguidade.
Mas, o provérbio do momento é: “In medio stat vírus”. “Médio”, aqui, refere-se ao “meio ambiente” e, vírus, ao tão falado microorganismo, invisível ao microscópio comum, e agente de doenças em humanos, animais e vegetais. E, o pior de tudo, avesso a observar certas medidas. Portanto, trata-se de um ser sem virtude. Tanto que ele prospera sequestrando o material genético de uma célula viva e usando-o para produzir mais vírus. Além disso, não sendo por si mesmo organismo vivo, pode dar-se ao luxo de ser muito simples. Muitos vírus, inclusive, possuem dez genes ou menos, enquanto até a bactéria requer vários milhares. Mas, o que lhes falta em genes, sobra-lhes em maldades, que podem causar-nos imensos danos, vindos em forma de doenças como varíola, raiva, febre amarela, Ebola, pólio e, no momento atual, o coronavírus. Calcula-se, por exemplo, que a varíola, somente no século XX, tenha matado 300 milhões de pessoas.
Foi somente em 1943, com a invenção do microscópio eletrônico, que a ciência conseguiu ver, pela primeira vez, o vírus, essa entidade estranha que, isolada, é inerte e inofensiva. Mas, introduzida no hospedeiro adequado, entra em atividade reproduzindo-se rapidamente. Ela é capaz de surgir de uma forma nova e simplesmente desaparecer tão rapidamente quanto surgiu.
Há variedades de vírus que retornam de tempos em tempos. Uma hipótese é que eles se escondam em populações de animais selvagens, onde permanecem desapercebidos, até voltarem a infectar nova geração de seres humanos. Ninguém garante, por exemplo, que o vírus da gripe espanhola não surja novamente. Sem contar que novos e assustadores vírus surgem o tempo todo. E, nossos estilos de vida, com suas viagens aéreas, podem espalhá-los com facilidade por todo o planeta, dando origem às pandemias.
Por se referir ao que é de rápida contaminação, a palavra “vírus” é também aplicada em sentido figurado para designar algo que se reproduz de forma parasitária, como, por exemplo, “o vírus da corrupção”. Em informática, há o vírus do computador, um programa desenvolvido para causar graves transtornos aos usuários. À semelhança dos vírus biológicos, os vírus eletrônicos se espalham rapidamente na internet. Há, também, o marketing viral, um recurso de propagação rápida da informação através de diversos meios, tais como e-mail, redes sociais, etc.
Por isso, pode-se dizer que o virtual está mais para o vírus do que para a virtude. Mesmo porque o virtual não se coloca a questão do valor, mas só aquelas relacionadas com a informação, com o cálculo e com a computação generalizada. E, sem a questão do valor, não há virtude. Como vimos, a virtude consiste na justa medida. E, no mundo virtual, além do excesso de informação, tudo se passa em tal velocidade que sentimos, ouvimos, pensamos e lembramos menos. E, nesse mundo, a virtude torna-se uma ilustre desconhecida.
Hoje, o que há, é um excesso de uso do virtual. Tanto que o escritor italiano Umberto Eco, em uma cerimônia na Universidade de Torino, declarou que a internet dá voz a uma multidão de imbecis. Indagado, em uma entrevista, sobre essa sua declaração, ele explicou: “Ora, veja bem, num mundo com mais de 7 bilhões de pessoas, você não concordaria que há muitos imbecis? Não estou falando ofensivamente quanto ao caráter das pessoas. O sujeito pode ser um excelente funcionário ou pai de família, mas ser um completo imbecil em diversos assuntos. Com a internet e as redes sociais, o imbecil passa a opinar a respeito de temas que não entende” (Veja, 1º de julho, 2015). O que mais falta a um imbecil é a virtude, sobretudo aquela da humildade, virtude estranha ao mundo virtual.

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